domingo, 24 de junho de 2007

Vínculos

Vínculos. Vínculos que crio, condenso e elevo e que se derramam no chão, como nuvens. Vínculos que sempre retornam para conter o vazio e que se moldam à imaginação da felicidade jamais alcançada. Com eles, as cenas se repetem, os risos se vestem com a perfeição das máscaras.
Esses desatinados vínculos se recriam e se desmontam de ano em ano deixando sequer um verbo a retomar um pouco do que previamente havia sido montado.

Enquanto isso, as pessoas terrenas que me chamam pra tomar um sorvete e saber como vou passando... Um dia vão-se embora pra Triestre ou pra Brasília e serão como um braço ou uma perna meus que perderei; não são como as nuvens de músculos rarefeitos que se refazem com os suores dos sonhos e dos desencantos.

Vínculos que nascem como nuvens se dissipam como tal, pois chuva é uma verdade de dilúvios e terra semeada. As nuvens são desenhos do nada onde talvez habitem os deuses à perfeição também condenados.

O que fica é antropofágico, se refaz horizontalmente. O que fica tem nos sentidos a memória. Quanto aos momentos enevoados, que nunca existiram... Sobra deles muito pouco; talvez a desgraça de um amor que nem sequer a mim mesma pertence. Pertence talvez ao desejo de não amar, à descrença nos seres.

O que em mim fica, mesmo que para longe se esconda, tece-me casulos de força. É através deles que eu me encontro com vegetações inteiras criadas pela palavra pessoa, pelo amor nascido do embate entre vômitos comidos e abraços de fé - tão certos de serem amor que permitem a cara à tapa, a entrega, a desordem, o abraço.

Recife, 19 de Outubro de 2005.

sábado, 16 de junho de 2007

Os ladrilhos

Andava pela casa e o que lhe incomodava eram os ladrilhos do chão; cerâmica fria que não acolhia seus espaços. E tinha que ser entre quadrados e arquiteturas que ela imaginava os circos de tendas disformes. Mas não queria pensar muito nisso, pensar muito dói - Cabeça também fica cansada. E por trás das grades de sua varanda, o dia estava frio e tranqüilo; pensou em ficar ali ante as grades por mais alguns instantes, quem sabe a vida inteira, e quem sabe pintar toda a sua casa com os pés rapidinhos e rodopiantes que andavam como se quisessem bater no Japão. Mas era respirar fundo e engolir seus filhas da puta e vá se foder. Ela também não gostava de palavrões, mas foi o que ouviu dentro de si e entre seus pais.
Andar pela casa e pelo centro de sua cidade, ver os apetrechos pendurados em todos os lugares e o silêncio era bom também, mas o presente sempre gritava. Então, mandou que ele calasse a boca. Shhhhhhhhhhhhhh. Não precisava de mais nada naquele momento, e se quisesse dormir, deveria ter o poder de fazer isso sim.
E a vida era bem facinha, como continha de 2 mais 2, como dois patinhos na lagoa. Quem teve dez anos ia lhe entender. No entanto, ninguém precisa mais ter dez anos pra entender nada... Tá tudo aí, encaixado no chão, com cimento e a cor marrom. Preferiu ficar mais um pouco na cadeira de balanço, tocando a ponta dos pés na frieza da cerâmica; parafrente paratrás parafrente paratrás. Ela não queria chegar a lugar algum, estava bastante confortável com o silêncio e com as suas viagens na maionese. E agora, taraaaam! Purumpá! : silêncio. Como quando chegava da hora do recreio e baixava a cabeça sobre a banca ouvindo uma musiquinha de um homem chamado Bach: aquilo que era silêncio mesmo. Lembrava do corpo suado e da respiração ofegante, pensa: a aula já vai começar- respira-, pensa: mas que droga,-respira- pensa: melhor aproveitar cada segundo desse piano com som engraçado- respira, respira, respira-. O pulmão não tinha mais capacidade para tanta fumaça e vento, ela tinha que baixar a cabeça e ouvir a musiquinha, o toque de recolher. Recolha-se, recolha-se que nem flor até voltar a ser semente e ninguém precisa nascer ou morrer...sementes nascem ou não. E se olhassem bem nos seus olhos, bem naqueles olhinhos pidões, iriam ver que era apenas uma menina, uma criança às voltas com preocupações de criança, com a imaginação sem leito nem ponto de origem.
Então, às vezes ficava ficar ali balançando no vento e que não a incomodassem! Não, agora era ela a semente das voltas dos recreios. Em que pensava? Na pipa. No nome da pipa. Nos dois pés e um ipa. Pipa. E se a seguissem, e se os ladrilhos e concreto a seguissem...Não importava, não importava como ela iria sair da cadeira de balanço. Respirar o pouco que podia, oxigênio e ácaros...sem filtrar nada, sem entender nada. Que fossem na frente Bach e os coleguinhas da escola, ela ainda não estava pronta para a quarta série, ela não estava pronta para nada. E quem está? Não apressa que ela vai andar! Não apressa....a aula de matemática ainda não começou. E se começou, ela não vai entender nada, deixa ela de cabeça baixa...

Recife, 19/10/2005

Querer

Querer

Baixou a cabeça
Com todos os desejos nas mãos

Queria falar
Mas falar não cabia na mão

Queria queria
Queria tanta coisa do meio dia às quatro
Da meia noite às duas
Queria muito tanta coisa
Era melhor ter um baú para as horas

- Olha, me desculpa, senhora. Eu gostaria de ter...

”Gostaria”? Menino e frouxo e amarelo!
Não peça mais desculpas
Afinal, você só “queria”
E quem quer
Não pergunta ao querer
A que horas ele deve aparecer

Você quer...
E quer muito
E quer tanta coisa
Até querer não querer você quer

Quem vive de quereres
Nos quereres com “fizesse eu...”
Quer apenas querer
Querer não dá machucado, não é?

Mas um dia
Você perde esse amarelado
E vira cinzas
O querer não morre
Mas você
Você passou
E passou sem querer
E passou pelo que poderia ter
Sim, passou
Passou

Recife, 24/10/2005

Meios e Fins

Eu digo: Não cai mais entre meus fins
Pois parece não ter mais meios!

No entanto: Treme a porta

Mais uma
Mais um vez

É hoje
É hoje

Aqui recomeço
Lembro quando acordo

Nada é real
O amor não é

Criação
Promessa

Acho que o amor
É todo

Não
O que foi que pensei?

Destrói e renasce

Tão fácil
A fantasia

Pobre
Rasteja
Nas nuvens rarefeitas

Escuto um barulho
É essa a sua voz

Mais uma vez
Mais uma

Mania
De ter o que sempre quis

Não há meios
Mas, De repente
Fins...

Recife, 26/10/2005

Meio copo sobre mim

Você-Você
O que foi que você viu?

Eu queria que você me perguntasse
Que batesse às minhas portas
(Fingirei não saber do que lhe trouxe até a mim
Qualquer intenção será desfigurada
Qualquer desejo, uma ponte sem começo)

Você sabe
Sabe que eu não sei como dizer assim
Sozinha, de mim por mim

Sabe você que me assusta
Que sua presença é um abismo
Nele me espreito
Olho para o chão
Penso: pula!
Penso: não, não agora

E fico parada, acima o vento carregando nuvens
Formo nesses espaços azuis a anunciação
De sentimentos elevados
Enquanto espero a sua voz
Lá de baixo, o seu convite

Deixei cair, por vontade imprópria
A chave
Para meus quartos esquecidos
O que será feito dela...
Você com ela
Que será, que será?

Recife, 26/10/2005