quinta-feira, 26 de novembro de 2009

labirinto

Eu deveria ter sido aceita no furo da espingarda. E ser a bala fatal. Agora é de chumbo essa cor violeta de um sonho que se excedeu. (Todo sonho é cor de estrela e, se parece de chumbo, é porque morreu) Não foram quatro paredes que me prenderam, foi um labirinto de caminhos descaminhados, descaminhos que me fizeram perder onde tudo começou e onde tudo ia se finalizar. Todo labirinto tem uma saída, mas consome tanto a vida, que ela se despedaça do que era e do que iria ser entre começo-meio-e-fim.

Eu deveria ter sido aceita no furo da espingarda. E ser a bala fatal. E vencer o labirinto como uma esperta, uma burladora de cansaços, uma heroína dos desalentados e desatendidos. E matar o labirinto antes de ser matada por ele. A estrela agora se finaliza com seu cobertor de chumbo, tossindo resquícios de uma promessa de amor que se foi. Ela brilha molemente, me dizendo: teve uma hora em que parei de achar que vale uma pena.

E me perdi sem estrela, já nem lembro mais dela, me perdi pra sempre.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O cheiro da canela

Polvilhando a papa de aveia, Ciça falou: Ai ai, eu gosto tanto do cheiro da canela!

Ciça está desperta e recebe as graças do mundo.

domingo, 22 de novembro de 2009

mulherzinha porcaria

Eu te olhei com espanto:

Aquele teu corpo magro, amarelo-castanho

Que mal se aconchegava na frouxisse das roupas

Os cabelos espantados em choque elétrico, como arames farpados

A testa recôndita, rachada de sol

Eu bem sabia que teus dentes eram sorrisos de mentira

Você certamente era banguela.


Procurei a mulher bonita.

Mas, teu cabelo cor de tinta esgarçada

Tua voz dura e valente nordestina

O som estridente da sua risada paquidérmica

Que ria nem sei do quê


Ixe, que agonia!


No entanto, eu e você, mesma gente.

Mesmo aqueles cambitos masculinos por debaixo da tua saia de chita

E, me culpando pelos cambitos

Te dei vinte e cinco centavos


E envergonhada dos meus dentes sadios

Eu tentei permanecer sã em nossa relação

Permanecer justa e consciente da situação

Sentir-me culpada, chorar sua desgraça seria uma forma de não sentir-me um monstro

De mostrar sensibilidade

Porcaria:

Monstro ela

Monstro eu

Presas às nossas diferenças

À vítima e o ladrão

Saia da minha porta, coisa feia!

Suma para dentro do caixão.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

ao meio-dia

"Não fique triste

Seja como o sol ao meio-dia"

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

The Road Not Taken - Robert Frost

"Duas estradas divergiam em um bosque em setembro
E lamentando não poder seguir em ambas vias
E sendo o único viajante, durante muito tempo me lembro
olhei para uma tão longe quanto eu conseguia
até onde ela dobrava na descida e sumia

Então peguei a outra, parecia boa e vasta
e fosse talvez a mais atraente
pois estava coberta de grama precisando ser gasta
embora aqueles que passaram na frente
tivessem gastado ambas quase igualmente

E ambas que aquela manhã igualmente fez
cobertas por folhas, pegada alguma a manchar
Oh, deixei a primeira para outra vez!
Mesmo sabendo como um caminho leva a caminhar
duvidei se iria algum dia voltar

Devo estar contando isso com a alma cortada
Em algum lugar, há uma distância de tempo imensa:
divergiam em um bosque duas estradas
e eu escolhi a menos viajada
e esta escolha fez toda a diferença."

terça-feira, 17 de novembro de 2009

olhando o mar

E revejo o que tenho para fazer
Pois, por hora, me esqueci
Rebobinada com os olhos assim
quentes, agulhões d'água
E é só neles que penso agora
Meu corpo a zumbizar dementemente

E eu fecho os olhos porque nessas horas
eles querem sempre estar lavados
recebendo ao menos um pingo
de uma diluviada inteira

e seguro o olhos com força
até o negrume esverdear

- O que tenho para fazer?

E já me esqueci de novo

Eu não devia ter vindo ao trabalho hoje
Eu não devia sequer ter acordado

Hoje eu não tô podendo sair de mim
Meus olhos assim
sabinados
salgados
maremolentes

não sei nem o que estou fazendo aqui
com um mar inteiro batendo nas minhas portas

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

elefante

Só um elefante
Com sua gentileza de gigante
P'reu abraçar agora

Um elefante muito grande
Quentinho e aconchegante
Com seu olhar doce de velhinho

Só um elefante acolheria grande o bastante
os desencontros do meu coração
as ausências nos meus braços

domingo, 15 de novembro de 2009

A libertação dos cavalos

O desânimo nunca foi guerreiro. Portanto, estrelinha miúda e delicada do meu céu, não pare nunca de brilhar mesmo diante dos mais escuros cadafalsos de meus medos.
[PAUSA] Preciso dizer um segredo:

Desamarrei as cordas dos meus desejos!

Como seria agora a facínora de me negar?
De me impedir?

[PAUSA]
Ficaram com medo do que será de mim
E me dizem:
Pé na frente e o outro atrás
Não seja assim tão cega de coragem

Como um touro, eu respondo:
Não afoguem minha luz
Nem me confundam com talismãs de falsa segurança
Engolir o ímpeto depois descobri-lo
É quase tão difícil quanto aceitar a morte
É quase tão morrente quanto a própria morte

E o que sobra é quase a vida
Bastarda, irreconhecível
Como um animal abandonado pelo seu bando.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Onde ir - Vanessa da Mata



"Eu não sei o que vi aqui
Eu não sei prá onde ir
Eu não sei porque moro ali
Eu não sei porque estou

Eu não sei prá onde a gente vai
Andando pelo mundo
Eu não sei prá onde o mundo vai
Nesse breu vou sem rumo

Só sei que o mundo vai de lá pra cá
Andando por ali
Por acolá
Querendo ver o sol que não chega
Querendo ter alguém que não vem

Só sei que o mundo vai de lá pra cá
Andando por ali
Por acolá
Querendo ver o sol que não chega
Querendo ter alguém que não vem (não vem)

Eu não sei o que vi aqui
Eu não sei prá onde ir
Eu não sei porque moro ali
Eu não sei porque estou

Eu não sei prá onde a gente vai
Andando pelo mundo
Eu não sei prá onde o mundo vai
Nesse breu vou sem rumo

Só sei que o mundo vai de lá pra cá
Andando por ali
Por acolá
Querendo ver o sol que não chega
Querendo ter alguém que não vem

Cada um sabe dos gostos que tem
Suas escolhas, suas curas
Seus jardins
De que adianta a espera de alguém?
O mundo todo reside
Dentro, em mim

Cada um pode com a força que tem
Na leveza e na doçura
De ser feliz."

terça-feira, 10 de novembro de 2009

mulher fenomenal

Eu, super-mulher, estátua de ouro
Super-mulher blindada, super-segura
Super-não tropeça nem se escora
Super-ninguém me vê chorar
Super-profissional de ser si mesma

Eu me garanto!

E, voando comigo
Voando neste ser-além
Deslizo entre as casas, jardins, edifícios, montanhas...
E ninguém me pega
Pairando airosa
Arenosa
Acima do leque, acima do véu
Meu rosto aberto, sacro
Nuvens firmes no olhar
E mais nenhuma palavra a dar

eu já disse tudo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

a vida e eu

Não me posso roer de medo. Nem de sono, nem de fome. Quando não escolho o que quero da vida, a vida acaba fazendo o que quer de mim

domingo, 8 de novembro de 2009

produção avionária

Produção avionária
Penso nas galinhas dentro das sujimundas caixas
"São apenas animais!", painho me disse
Mas as pobres galinhas...
Viajando de 8a classe para o triste abatedouro
Mirradas,sofrentes
Os olhares pobrezinhos

Animal de nada sofre?

Ele de nada se vinga
Inocente
Ele de nada se vinga.

Mundo mundo

O mundo já era mundo
O mundo mundo sempre será

Meus pés seguem como poeira de vento
E a ínfima morte de um, e a ínfima morte de qualquer um
Nada mudará

Nem pro peixe
Nem pra terra
Nem pro sol
Nem pro mar

O mundo foi e é mundo
Antes mesmo de tudo que foi concebido como tudo

Quantos idiotas como eu não percebem o óbvio:
A Terra não precisa de mim
Eu é que preciso dela

Estrelas

Formigas
Quimeras de sol
Centauro, centopéia, escorpião...
Ponto a ponto no escuro oceano do infinito

Um momento:
dois
três
e ainda brilha
Quase brilha para sempre
As estrelas
A cabeça da gente

tudo podemos encontrar
Com esses olhos que a luz nos dá
Tudo tudo tudo podemos encontrar

Olhos Lavados

Olhe-me com olhos lavados, pois neles estão o seu embarque.
Neles fechamos o livro. Neles não há mais palavra nem dúvida nem dívida.
Olhe-me com olhos lavados e creia, e desperte para o próprio olhar, e se vá.