quinta-feira, 24 de junho de 2010

Marisa

Tinha dificuldades
De se encontrar dentro de uma só pessoa
E de se mostrar dentro do que é essa pessoa.

Por isso tão trancada. Atriz de ser si mesma.

Seu rosto foi quebrado contra o espelho
Rasgando-a em continentes e hemisférios.

Cicatrizes.

Ou foi o vidro que ela atravessou
Quando sua tia bateu o carro
E ela caiu em cima do capô.

Ou as mil operações
Que fizeram em seus olhos
Para que ela pudesse enxergar direito.
Todas, sem sucesso.

Marisa enxergava tudo tremido, pisca-piscando
E, pela necessidade de ver, aprendeu a olhar para dentro
Muito, muito bem
Mas sem saber
Sem saber como suas mãos e pés tomavam forma
Do lado de fora de seus ímpetos.

Dividida sua face em alguns pedaços
Marisa
Desejava apenas o laço perfeito
Entregar os resguardos mais genuínos de seu espírito
Porque era isso o que ela melhor conhecia
E era isso o que ela melhor reconhecia nos outros.

E, no entanto, por tanto querer a verdade verdadeira
Acabava sempre fugindo para o oposto:
Porque a verdade verdadeira
É ruminosa demais
Tão incerta
E pegajosa como chiclete no sapato.

Assim
Não foi por mal
Não foi por nada
Que ela saiu correndo da festa
Os sapatos desamarrados, um de número 35 e o outro 39.

Não foi por nada
Quando armou toda uma cena no meio da rua
Porque tinha vergonha de dizer olá
Para um rapaz que estava a alguns metros de distância.

Marisa se espreitava nas esquinas de suas palavras
E se esquecia de seu próprio endereço.

É que ela precisava sempre se ajuntar na frente dos outros
Para emitir uma frase completa
E ela não gostava disso
Que a vissem tão fragmentada
Tão prontamente enviesada. Tão sem saber como organizar a si mesma sem mentir.

Por isso, Marisa fechava as portas
Não admitia fotografias
Nenhum sorriso fora do eixo completo de sua alma
Nada que não fosse ela
Nada que não fosse o outro

Subitamente.

Amarílis Lage



terça-feira, 22 de junho de 2010

Big Mistake - Tim Fite



Show me the best that you got, and I'll show you one better
Show me your reddest rose, and I'll show you one redder
Tell me a dirty joke, and I'll laugh it off lightly
If I tell you a dirty joke, you might not like me

Everyone gets to make one big mistake
And if you're waitin' on me
Well, I guess you're gonna have to wait

Ti-time-timing is everything if you've got nothin' but time
(I got nothin' but time)
And a lie don't mean nothin' if nobody knows when you're lying
(lie when you lie)
So lie when you do, lie when you don't
Lie when you didn't, lie till you lie, lie, lie, lie
They're wonderin' if anybody else is lying

Everyone gets to make one big mistake
And if you're waitin' on me
Well, I guess you're gonna have to wait
'Cause I'm savin' mine up for a very, very special day
When I can fuck it all up in the most spectacular way

Everyone gets to make one big mistake
And if you're waitin' on me
Well, I guess you're gonna have to wait
And wait, and wait, and wait, and wait, and wait

Everyone gets to make one big mistake
(mistake, mistake, mistake, mistake, mistake, mistake, mistake, mistake)
And if you're waitin' on me
Well, I guess you're gonna have to wait (you're gonna have to wait)
'Cause I'm savin' mine up for a very, very special day
(it doesn't even matter if it don't even matter)
When I can fuck it all up in the most spectacular way

Show me the best that you got, and I'll show you one better
Show me your reddest rose, and I'll show you one redder
Tell me a dirty joke, and I'll laugh it off lightly

If I tell you a dirty joke, you might not like me

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O quereres - Caetano Veloso



"Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim"

domingo, 13 de junho de 2010

Inverno

"E, no meio do inverno, descobri em mim um verão invencível" Camus

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Rimbaud - o estranho, por Caio Meira

"Michel Foucault, em Dits et écrits, narrando seu próprio e progressivo desinteresse pela literatura, situa seu desencanto junto à descoberta de que a literatura e o espaço literário já haviam sido engolidos e enfraquecidos pelo espaço da circulação social e do consumo, perdendo a força transformadora e contestadora que ele sempre julgou fundamental. (28) Ele conclui seu pensamento perguntando-se se, ao tomar conhecimento disso, não é melhor fazer outra coisa do que literatura. Talvez tenha sido a essa mesma conclusão a que Rimbaud tenha chegado. Na realidade, se considerarmos todos os argumentos aqui levantados, é provável que Rimbaud nunca tenha feito "literatura", pelo menos a literatura a que Foucault se refere. E, tendo percebido isso, abandonou de vez o mundo dito literário e foi em busca de outras conquistas. Se tal fato corresponde ou não à verdade, isto vai permanecer, como tudo a que se refere ao poeta das Ardenas, um mistério."

Trecho de Cartas do Vidente - Rimbaud

"Agora, eu me encrapulo o máximo possível. Por quê? Quero ser poeta e trabalho para tornar-me vidente: Você não compreenderá nada e eu quase que não saberia explicá-lo. Trata-se de chegar ao desconhecido através do desregramento de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser forte, ter nascido poeta, e eu me reconheci poeta. Não é de modo algum culpa minha. É errado dizer: Eu penso: dever-se-ia dizer: sou pensado. — Perdão pelo jogo de palavras.

Eu é um outro. [...]"

After a While

Sim, demorei muito a admitir. Mas eu gosto deste texto, e gosto de me lembrar de quando um dia o leram para mim. Talvez a lembrança e que beijos não são contratos. É disso. Como se todas essas palavras me dissessem sempre o mesmo - o que quero e desejo me lembrar delas.

"*After some time you learn the difference, the subtle difference between giving a hand and fettering a soul;
*And you learn that to love doesn't mean to support yourself, and that company doesn't always mean security.
*And you learn that kisses are not contracts and that gifts are not promises.
*And you start to accept your loss with your head up and eyes straight ahead, with the grace of a grown-up, not the sadness of a child.
*You learn to build the roads of today, because tomorrow's land is too unknown to make plans and the future usually falls from nowhere.
*After a while you learn that the sun burns if you expose yourself to it for very long.
*And you learn that it doesn’t matter how much you care, some people just don’t.
*And you accept that it doesn’t matter how good someone can be, they will hurt you once in a while and you have to forgive them for that.
*And you learn that talking can be a relief to emotional pain.
*You learn that it takes years to build trust and just seconds to destroy it, and you can do things in a second that you will regret for the rest of your life…
*You learn that friendship continuous to grow even with the distance and that what matters is not what you have in life, but who you are in life.
*And you learn that you don’t have to change friends if you understand that friends change, and you realize that you and your friend can do nothing or everything and still have good times together.
*And you learn that the people you care the most are taken away from you too fast, that is why we should always say caring things to those we love, because it might be the last time we see them…
*And you learn that you shouldn’t compare yourself to others, but to the best you can become.
*You learn that it takes a long time for you to become the person you want to be, and that life is too short.
*And you learn that it doesn't matter where you've already gotten to, but where you are going, and if you don't know where you're going, anywhere will do.
*You learn that either you control your acts or they will control you, and that being flexible doesn't mean you are being weak, or that you don't have a personality, for no matter how delicate and fragile a situation is, there are always two sides of it.
*And you learn that heroes are those that did only what was necessary...
*You learn that patience requires a lot of practice.
*You find out that sometimes the person that you expect to kick you when you fall, is one of the few that will help you up.
*You learn that maturity is about what kind of experiences you’ve had and what you’ve learned from them, not how many birthdays you have already celebrated.
*You learn that there's more of your parents in you than you suppose.
*You learn that you should never tell a child that dreams are foolishness, few things are so humiliating that it would be a tragedy if he believed that.
*You learn that when you are angry you have the right to be angry, but that does not give you the right to be cruel.
*You learn that just because someone doesn't love you the way you want to be loved, it doesn't mean that the person doesn't know how to love, and s/he loves you as much as s/he can, because there are people who love you, but simply don't know how to show it.
*You learn that being forgiven is never enough, sometimes you have to learn to forgive yourself.
*You learn that with the same harshness that you judge, you someday, will be condemned.
*You learn that no matter how many pieces your heart was broken into, the world doesn't stop so you can fix it.
*You learn that you cannot go back in time, so you have to take care of your garden and not wait for someone to bring you flowers.
*And you learn you can really bear it, that you're really strong and that you can go farther than you think, and that life has a value and you have a value before life!
*And you learn that our doubts are disloyal and that makes us lose what we could achieve, if it weren’t for the fear of trying."

Adaptation of Veronica Shoffstall's original text "After a While"

La Maza




A Maça

Se eu não acreditasse na loucura
Da garganta do sinzontle,
Se eu não acreditasse que no monte
Se esconde o trigo e o pavor...

Se eu não acreditasse na balança,
Na razão do equilíbrio,
Se eu não acreditasse no delírio,
Se eu não acreditasse na esperança...

Se eu não acreditasse no que gerencio,
Se eu não acreditasse no meu caminho,
Se eu não acreditasse no meu som,
Se eu não acreditasse no meu silêncio...

Que coisa fosse, que coisa fosse a maça sem pedreira?
Uma massa feito de cordas e tendões,
Uma confusão de carne com madeira,
Um instrumento sem melhores pretenciones
De luzinhas montadas para cena...

Que coisa fosse, coração, que coisa fosse?
Que coisa fosse a maça sem pedreira?
Um testa-de-ferro do traidor dos aplausos,
Um servidor de passado em taça nova,
Um eternizador de deuses do pôr-do-sol,
Júbilo fervido com trapo e lantejoula . . .

Que coisa fosse, coração, que coisa fosse?
Que coisa fosse a maça sem pedreira?
que coisa fosse, coração, que coisa fosse?
que coisa fosse a maça sem pedreira?

Se eu não acreditasse no mais duro,
Se eu não acreditasse no desejo,
Se eu não acreditasse no que acho,
Se eu não acreditasse em algo puro...

Se não acreditasse em cada ferida,
se não acreditasse no que ronde,
se não acreditasse no que esconde
Se fazer irmão da vida...

Se eu não acreditasse em quem me escuta,
Se eu não acreditasse no que dói,
Se eu não acreditasse no que fique,
Se eu não acreditasse no que luta...

Que coisa fosse, que coisa fosse a maça sem pedreira?
Uma massa feito de cordas e tendões,
Uma confusão de carne com madeira,
Um instrumento sem melhores pretenciones de luzinhas Montadas para cena...

Que coisa fosse, coração, que coisa fora?
Que coisa fosse a maça sem pedreira?

terça-feira, 8 de junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Filho desaparecido

Porque esses papeis bordados, cheios de requintes e risos forçados são falsas intenções - irrelevantes, de fato. Antes: a verdade. Antes: o real.

Por quantos anos na sombra? Por quantos anos alimentando devaneios de ser maior e inteira? E quantas máscaras forcei-me a usar? Ah, inventei-me em tantos trejeitos que desaprendi a ser eu mesma. E ser eu mesma era sempre uma vontade, mas antes disso violência, ameaça contra mim/contra todos.

Então escolho não ser cretina. E desisto de minha sina camponesa e PARO de florear pensamentos e desejos para não exibí-los ao mundo assim: tão frágeis e inóspitos - como são. Transformo medos e anseios em palavras úteis, duras, apenas funcionais. E com elas nada é tão bonito quanto costumava ser - quando eu me alimentava só de imaginação. A vida fica sem sal e sem açúcar - o real pisando toneladas sobre minhas asas.

Não encontrei - ainda - algo que fosse válido de ser vivido para além de minhas ideias. Mas fiz a escolha: a de jogar fora papeis bordados e risos forçados. Impossível arrepender-me de fazer confissões - doentes, há quem diga, mas humanamente humanas. Portanto, perdoáveis.

Muito mais perdoáveis que os jogos de cena, o ridículo circo que se tornava a minha boca calada para que ninguém julgasse meu coração tolo, fraco, insípido. HOJE: Faço minhas declarações, e depois saio pelas ruas chorosa, arrependida de minha forma de sempre complicar olhares e respingos de frases que ficam soltas. Ao exibir, pronunciar os abismos por tras do meu rosto, sinto-me ridícula, absurda - mas preferi, mas escolhi. Porque de alguma forma entendi que a liberdade só existe quando as palavras tocam o chão - outros ouvidos - e não o espelho. E é muito bom - repito - é muito bom saber para onde a vida se inclina, para onde ela segue. Viver de imaginação é como ser mãe de um filho desaparecido - é angustioso, infantil. Crescer tem dessas - entendimentos súbitos e humildades para falar e escutar. Já passei por isso, já passamos por isso. Entenda, eu não tive culpa. Não tenho culpa. Apenas sinto. Apenas sentes. É isso, é isso mesmo. Amém.

sábado, 5 de junho de 2010

Força


terça-feira, 1 de junho de 2010

O Homem Santo

"É porque o homem santo possui uma visão muito clara do fim e do começo, assim como do modo com que as seis etapas se completam _ cada qual no seu devido momento _, que ele as cavalga rumo ao céu como se fossem seis dragões.

O homem santo que compreende os mistérios da criação inerentes ao começo e ao fim, à vida e à morte, à dissolução e ao crescimento, e que compreende como estas polaridades opostas se condicionam mutuamente, transcende as limitações da transitoriedade. Para ele o significado do tempo consiste em possibilitar às etapas do crescimento se desdobrarem numa seqüência clara. Ele está atento a todos os momentos, e utiliza as seis etapas do crescimento como se estivesse montado em seis dragões, nos quais sobe aos céus. Assim os atributos "sublime" e "sucesso" do Criativo manifestam-se no homem."

extraído do Livro das Mutações