terça-feira, 24 de junho de 2014

Manuel Bandeira, «Profundamente»

"Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
– Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje eu não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
– Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente."

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Labirintite - Henrique Wagner

Labirintite

Amo apenas meu irmão,
mas não qualquer irmão:
amo o mais amável, o mais frágil, o caçula.
Amo ainda a mulher por quem, atualmente, me sinto apaixonado.
Amo essa mulher, e mais nenhuma no momento.
 Amo meu pai, porque ele me foi amável sempre.
E amo meu filho,
 porque ele ainda não cresceu,
 porque ele ainda não tem a labirintite que eu tenho.
 Quanto a Cristo, não, não o amo.
Amo apenas meu irmão.
Não o próximo, mas o caçula.

Henrique Wagner

terça-feira, 3 de junho de 2014

POEMINHA PREGUIÇOSO __ Marcelino Freire

"só você
não me dá
preguiça.
só você
não me
enguiça.
só você
me faz abrir
o olho.
feito um olho
de cachorro
de olho
nos passos
do dono.
só você
me levanta
deste marasmo
me salva
deste abandono.
só você
e eu
teremos
uma razão
para viver.
para sempre
um para
o outro
escravos
do mesmo
cansaço.
até
morrer."