terça-feira, 9 de março de 2010

Aforismos de um artista que sonha em ser sambista. De verdade.

Saiu despreocupado com o mundaréu de gente nas calçadas.
Devagar e sempre. Ia sempre, o preguiçoso.
Não era malando. Não era trabalhador. Era sambista.
No entanto, o mundo. O mundão, mundão, mundo. Ou rodava no seu umbigo ou em volta do sol.
Ele, pequeno que nem qualquer coisinha.

Chegara à conclusão que
A vida estava sendo boa com ele.
Ele é que não estava sendo bom com a vida.
Ao menos não bom o bastante para atender aos convites dela.

Acreditava em Deus
Mas desconfiava que Deus não acreditava nele.

- Apenas me mande um sinal! Diga-me se eu valho alguma coisa! - Falou com a cabeça fritando debaixo do chapéu, debaixo do sol.

Eram 12 horas da manhã e da tarde. Oliveira precisava comer, tomar banho, beber água.

Desviava o olhar do encardido terno de linho branco . O que sobrara de sua promessa como artista.

Enquanto isso, fora demitido mais uma vez. Mais um empreguinho de merda.

- Tem de botar a cara no mundo!

Mas Oliveira preferia ficar em casa. Nada de depressão. Já não sofria disso. Em casa, porque lá era melhor. Só falava quando queria. Só escutava quando abria as portas. Tinha escolha. Podia pensar.

- Oliveira, Oliveira, demitido novamente!

"Talvez um tapa bem dado cale até os ossos desse sujeito. Deixa eu em paz!"

Demitido do inferno, onde nunca quisera estar. Mas era lá onde ele sempre ia bater - lá, onde as horas não lhe pertenciam.

Liberto, ele sentava e cheirava a beira da ponte. Cheiro bom de rio.

- Vai ter que vender sapato na rua de novo!

"Ah não! Sapato na rua não!"

- Fica tocando essa MERDA! É isso que acaba contigo!
- Não tens opção, Oliveira! Já foi, já é! Tais de passar fome?

"Passar fome..."

Só venderia sapatos se fossem desses bem leves. Desses que cabem no bolso. Oliveira queria voar com eles nos pés.

Ficar ali, sendo profundeza, sentindo, sentindo... Queria fazer samba e não viver vidinha atrás de dinheiro.

- Vai trabalhar, Oliveira!
- Vai TRABALHAR!

- Oli, Oli.. Quando sua mãe acordar não vai saber de nada. Sua história de vida não será permitida, não se preocupe.

"Passou relâmpago aqui.
Quase queimou tudo.
Estou desempregado
Porém, continuo.
A possibilidade é mais óbvia agora"

A vida dele. A vida de Oliveira AINDA era coragem. In vitro.

- Foi tudo tão patético. Até aqui a tua vida, Oliveira. Vida que não vai nem vem.

As usual.

"Vou saltar dessa ponte!"
Não serás!
"Vou soltar desse jogo"
Capaz!

- Os ameríndios. Você, Oliveira, um ameríndio. 0s ameríndios também não tinham valor no que tinham e só ganharam o que não era deles.Se sente assim?
Alguns deles secretamente passaram a desejar a alma de europeus da Europa. Você também, não é, Oliveira?

- Gosta de Champagne?

"A vida não tem agora, porque o agora sou eu e eu não aconteço, não sou verbo nenhum.
Ai sou: espero.
Que meu caso seja levado às instâncias finais do desepejo."

"Estou pobre. Mas queria ficar rico! Talvez sim, secretamente deseje ser um europeu da europa."

- Oliveira, vai sonhar assim lá na PUTA QUE TE PARIU.

"Eu quero era voltar
pro meu
lugar
de origem

coração"

"Apenas sou!
Sapato branco de nuvens!
Samba da velha guarda da Mangueira"

"Estou esquecido do mundo aqui,
Resguardado em mim mesmo"

No entanto, também:

Sobram sementes de uma alvorada

Abelhas perdidas da mesma alcateia

Sobreviventes sem rumo

Iguais a ele. Havia a chance de que Oliveira, indavertidamente, não estivesse navegando só em sua intolerância com o destino. Pessoas como ele também estavam rosnando contra a maré.

"Eu, Oliveira, sambista de primeira? De segunda? De terceira?"

Do samba resta o sapato branco, o terno de linho que, convenhamos, a ninguém convence. Ainda.

- Precisa abrir o bico! É, soltar a voz, homem-passarinho!

"Não sou passarinho, porra! Não vou sair cantando por aí, soltando por ouvidos desavisados tudo o que sou."

- Pois é. Por isso que ninguém te ligou ontem. E nem antes de ontem, nem depois.

- Por que você não bota a cara no mundo? De uma vez! Vai ficar fazendo samba do além até quando? Bota a cara no mundo, Oliveira!

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