domingo, 28 de agosto de 2011

A FACA - Enrique Anderson Imbert

"Hoje, mexendo no baú do sótão, minhas mãos se deparam de novo com a faca. É velha. Tenho visto ela um monte de vezes desde a época da minha infância. Segundo me disseram veio do Japão junto com outras coisas que deixou o meu avô após o suicídio. Agora não presta para nada e me pergunto se alguma vez serviu para alguma coisa: até parece uma faca de puro enfeite ou para sei lá que fútil cerimônia. Para mim, ela não tem nenhuma utilidade para abrir cartas porque a folha é demasiado longa e em forma de curva. Para que a conservo? Na verdade não sou eu que a conservo: ela se conserva sozinha. Simplesmente está lá, fica lá. Hoje, quando me deparei com ela, pensei em jogá-la fora. Mas, quanta resistência! Não posso pôr ela no olho da rua. Ela fica presa na minha vida, com força. Estou vendo que ela vai ficar comigo, até o final. Aonde eu vou, ela vai comigo, nos móveis da mudança. Dá para ver que ela não tem outro lugar aonde ir e permanece bem próxima de mim. Não nos dizemos nada. Somente temos em comum o tempo que passamos juntos. Inútil: inútil a minha vontade de jogar a faca no lixo. O que será que ela quer? Começo a me preocupar. Quando a pego, ela me puxa do braço e sua folha encosta no meu ventre."

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