sábado, 1 de maio de 2010

Um amor do imaginário

Eu queria ter visto seu rostinho e segurado sua mão quando você era recém-nascida.

Queria ter presenciado o seu sorriso banguela envolto por sardas enquanto você entrava pela primeira vez no mar.

Queria ter ouvido as conversas que você teve com seu cachorro (e também queria ter sido esse cachorro).

Queria ter lhe socorrido quando você caiu do patins.

Queria ter conhecido o seu primeiro beijo

E perguntado ao moleque que te beijou qual era a língua de sua boca e a chave dos seus lábios.

Queria ter encontrado seus olhos quando eles tiveram a expressão mais apaixonada por alguém, cheios de entrega fértil, pontuda e macia.

Queria estar entre seus colegas de classe quando você foi eleita rainha do milho.

Queria ter lhe dado um abraço no dia de sua formatura e achado graça de sua beca ridícula.

Queria ter me sentado à mesa mais próxima quando você ficou bêbada e deixou seu caderno no bar.

Queria expulsar o anjinho que sempre paira sobre o lado direito de seu ombro. E assim ficar bem próxima a você quando sua alma exalar algum som.

Queria fazer carinho na sua cabeça cada vez que você chorasse.

Ter todo o tempo possível para andar na lua dos seus sonhos.

Espreitar nas frestas de todas as suas vertentes.

Queria conhecer suas pedras e suas vergonhas mais inocentes e sutis.

Queria sentir o cheiro que o seu carro tem por dentro.

Queria que você me emprestasse suas mãos, para que elas me tocassem o rosto.

Queria que você risse comigo, dançasse comigo, encostasse sua cabeça no meu ombro e tivesse paciência com minha timidez.

Queria que você passasse a noite em claro ao meu lado, trocando olhares entre deixas mal-feitas e cervejas.

Queria ser a sorte de ver seu corpo suado e vermelho de segredos incontidos.

Queria que você me confiasse suas pernas e as enroscasse nas minhas.


Sem conversas, disse-me-disse, nada com nada.

Apenas eu, acompanhando você.

Sem desencanto, palavras cortadas, interpretações, espelhos.

Não quero me comprometer com mais nada, a não ser com o pretérito imperfeito do indicativo do verbo querer.

Não quero depósitos e promessas de casamento:
Não suportaria que fôssemos inteiro dividas em dois pedaços
Não suportaria reconhecer nossas esquinas abertas para lados opostos, nossos olhares enviesados, aqueles caminhos onde não caminhamos juntas.

Não almejo nada disso

Quero sim: as horas eternas de sua alma
Essência etérea e furtiva
Plena, amoras e lichias
Girassois girando
O desejo, a curiosidade, o acidente entre peles que se ultrapassam

Não desejo ser obrigação, pedidos, juras, paneladas

Estou bem, aqui
E, lhe juro, você nunca será tão profundamente amada
Como está sendo agorinha, cheia de agorinhas, por mim.